domingo, 20 de janeiro de 2008

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O TERRAMOTO DE LISBOA DE 1755

Acontecimentos como a Revolução Francesa ou a tomada de Constantinopla pelos Turcos tornaram – se marcos na história a partir dos quais nós situamos o antes e o depois de outros factos afim de nos orientarmos. O terramoto de Lisboa de 1755 foi um desses acontecimentos. Toda a Europa se preocupou com o terramoto e se amedrontou com ele conduzindo – nos através do forte impacto que provocou na literatura a um estado aprofundado da Teodiceia, a uma visão nítida das mentalidades do século xviii sobre A existência de Deus e a justiça divina o que nos salta logo à vista se lermos algumas poesias da onda literária provocada pelo terramoto:

Ó Deus, resolveste aniquilar as cidades criminosas?
Ínfimos que somos, gente ingrata.
Formigas aos olhos do Todo – Poderoso! …;
Ai de mim! Reconheço com estes golpes um Senhor, um Juiz, um Deus encolerizado! …;
Mas mesmo matando, Deus quer para nós o melhor; através da ruína quer ele arrebatar – me à morte eterna;
Este Deus acarinha os filhos que parece abandonar e mesmo punindo só pensa em perdoar; Tranquilo, ele ouve o trovão e tudo o que perde na Terra
Reavê – lo - à no Céu o seu coração!
Príncipe augusto, herói sensível
Que objectivos para o coração de um Rei!
O fogo desta fogueira horrível
Sobre as asas do vento voou para ti.
Os teus olhos, dos teus filhos ternos,
Viram o desastre e a morte!
Tocado por virtudes magnânimas
O céu salva minha vida e da consorte
Para restituir à Lusitânia
Tudo o que lhe retirou a cruel sorte! …
- - -
(…)
- - -
Lisboa, que já não é, teve mais vícios
Que Londres ou Paris mergulhados em delícias?
Lisboa cai no abismo dança – se em Paris!

É claro que nos nossos dias pensamos já que o terramoto é um fenómeno natural e acontece até que o homem já pode prever quando certos terramotos podem eclodir como na cidade de S. Francisco na Califórnia (E. U. A.) que, dizem os cientistas, há – de afundar – se e acabar por desaparecer. No séc. XVIII, porém, principalmente em Portugal e Espanha, a religiosidade tinha a palavra e exigia que tudo tivesse forçosamente uma causa espiritual.
Quando se deram as catástrofes, nos nossos dias, de Stalinegrado, Hirochina, e Auschwitz ninguém se lembrou de dizer que era fruto da ira e da justiça divina tal como se lê na bíblia acerca das cidades de Sodoma e Gomorra ou de Pompeia durante o império romano, mais recentemente em Lisboa.
Ninguém se conforma com as catástrofes e o homem tenta encontrar – lhes as causas que actualmente são diversas daquelas que os investigadores pensavam outrora e não de determinadas precauções, não fosse a Inquisição importuná – los.
Em Nínive, caiu uma chuva de enxofre porque Deus já estava farto de avisar os homens para se emendarem das suas licenciosidades e fingirem nada ouvir. Consequentemente, o castigo fez – se sentir. A vingança da Criação. Só que hoje em dia essas catástrofes são atribuídas a causas naturais, ao próprio arbítrio do homem, ou ao desleixo do mesmo. Mas naquele tempo tudo era devido à omnipotência e omnisciência de Deus.
Leibniz glorificou o “altíssimo” traduzindo o “Ensaio Sobre o Homem” de Pope cuja ideia essencial podemos traduzir pela frase “whatever is it right”, “seja o que for que aconteça está certo”, ou simplesmente “tudo vai bem. Se a vida corre bem, Deus é a Suprema Bondade”. Se corre mal é porque as nossas acções são dignas de censura, portanto, Deus como Supremo Juiz castiga.
E não faltam as dissertações sobre as maravilhas da natureza e a omnipotência do Criador. Deus é terrível quando nos mostra o seu poder depois de a sua paciência se esgotar e de verificar que os homens não se comovem com as sus exortações ou dos seus ministros e persistem no erro,

Povo e príncipes tremem quando por ti ameaçados,
Os pilares do poder são por ti abalroados,
Ante ti ruem as fortes muralhas,
Afundam – se as cidades, castelos e montanhas,
Os heróis esmaga – los como castanhas
E sorris ante a obstinação desses canalhas! …

Sete escassos minutos bastaram para que Deus aniquilasse uma cidade que levou séculos a ser edificada. Faz mais estragos um leve sopro de Deus que o exército de um grande conquistador.
Deus faz o que quer. Um rei conquistador tem êxito se os seus desígnios estão de acordo com os de Deus Por isso não nos admira que o fracasso seja o seu estribilho. Veja – se a sorte da Invencível Armada quando Filipe II de Espanha resolveu conquistar a Inglaterra. Como Deus se opô, começou logo por desencadear uma tempestade que os desmoralizou, a ele e aos seus acólitos. Depois encheu de virtude a incomparavelmente mais pequena armada inglesa e esta acabou por destruir aquela, bem como o orgulho daquele rei que se julgava invencível. É claro que ninguém se atreveria a dizer (a Inquisição estava lá!) que o mesmo já acontecera com os gregos contra o persa, o patriotismo levado à apojadura pela excelente conduta de homens que adoravam a sua rainha que compareceu de armadura de ferro disposta a perecer com eles, que os exortou e que só arrancaria do meio deles viva com a vitória na palma da mão e o extermínio dos espanhóis que nós sabemos que combatiam desmotivados, pois do seu exército faziam parte tropas como as dos portugueses e catalães, povos subjugados contra sua vontade e, portanto cuja moral devia de ser baixíssima. Fazendo bem as contas, o exército inglês agigantava – se.
Portanto, Deus, para dar prova do seu poder, resolveu abater o desmedido orgulho de Filipe II.
Mas perguntar – se - à: Deus ,de infinita bondade, pai extremoso e de infinita misericórdia vai esmagar os seus filhos? Porque pecaram? Então e os inocentas, entre eles as criancinhas? Responderemos que foi o pecado original que as condenou, o pecado de seus antepassados.
Depois Deus deu um exemplo em Lisboa, não porque aqui se pecasse mais do que em Paris ou Londres, mas porque assim o entendeu para dar um exemplo aos outros. Por alguma razão fez Deus com que se soubesse em toada a Europa ao dar, ao mesmo tempo um aviso, pois que se fez sentir nos lagos suíços e até na Suécia, embora de sem consequências mas, como quem diz, “atenção” e “cuidado” que vos pode acontecer o mesmo que aconteceu em Lisboa! … Quer levá – los a reflectir e a pensar lá bem no seu íntimo que o poder de um homem é o de um verme quando comparado com a omnipotência de Deus que facilmente o esmaga com a sua mão omnipotente.
É evidente que podemos continuar a argumentar dizendo que muitos habitantes saíram ilesos do desastre. A justificação não se fará, no entanto, espertar. Isso deve – se à infinitamente bondosa e paterna solicitude intrínseca daquele que nos criou, ou seja, o Deus Todo – Poderoso, senhor dos exércitos e rei do universo pois o cidadão comum terá de perceber que é par ele fácil operar factos que para nós mortais se nos afiguram impossíveis.
E os pensamentos não têm fim, conduzindo – nos sempre à omnipotência de Deus, à grandeza do universo, à comparação com a pequenez do homem que deve ficar maravilhado e adorá – lo.
Será que nós, no dobrar do séc. XX poderemos dizer sem qualquer risco que “era preso por ter cão e, preso por não ter”? Ou então como o nosso Vergílio, Luís de Camões,”/

No mar, tanta tormenta, tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher – se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da Terra tão pequeno?

Mas já ao tempo havia filósofos contestatários como Voltaire que dizia numa das suas poesias que Portugal (referia – se ao terramoto de 1755) era um país mártir:

Ó terra deplorável /
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palco de inúteis e eternos sofrimentos,
Filósofos ludibriados que julgais que “tudo vai bem”.

Portanto, para ele, os filósofos enganavam – se ao dizerem “tudo vai bem” e demonstrava – o nos versos seguintes

Direis ao ver este amontoado de vítimas:
Deus foi vingado, a sua morte é o pecado de seus crimes!
Que crime, que faltas cometeram estas crianças
Sobre o seio materno, sangrando, esmagadas?
Será que Lisboa perecida teve mais vícios
Que Londres ou Paris com as suas delícias?
Lisboa abismou – se e dança – se em Paris!
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No entanto, vós dizeis, é sedição, é orgulho.

Mas não é só Voltaire que critica o determinismo. A Academia Prussiana das Ciências instituiu em 1753 três prémios que tinham por finalidade demonstrar a falsidade da filosofia de Leibniz.
No entanto, o terramoto de 1755 abalou muitas consciências e infundiu, ao mesmo tempo, medo e respeito porque se baseavam na visão racionalista do mundo com base nas experiências de Newton e Galileu Galilei.
Goethe que fez uma descrição plangente e cheia de lirismo do terramoto ficou muito abalado. Já o mesmo não aconteceu com o seu contemporâneo e amigo Frederico II da Prússia que, quando a rainha proibiu manifestações carnavalescas por causa do terramoto de Lisboa, exclamou “é melhor morrermos divertindo – nos do que debaixo do crucifixo.”
Não é descabido aqui dizermos que para Lutero havia diferença no modo de encarar a Deus; havia discrepância nas religiões; para ele, Deus, de imensa, paternal, divina bondade e misericórdia criou e por isso fornece diariamente meios para isso. Não pode ser vingativo.
Galileu, como se sabe, foi obrigado a retratar – se devido à omnipotência da Igreja; se era um dogma o Sol girar à volta da Terra, era portanto heresia implicativa de tortura e morte na fogueira para quem se atrevesse a dizer o contrário. Galileu renunciou à sua teoria. Não valia a pena morrer por ela. Chegou à conclusão de que a vida humana valia mais do que isso. A sua morte não provaria a verdade; convicto mas enganado e herético! …
Muitas pessoas se admiram, e eu admiro – me, de Voltaire, que dizem morreu a rir, a rir-se do mundo e de suas pseudo – verdades, não ter sido queimado num auto de fé. Se fosse na Península Ibérica onde reinou (na Inquisição, claro) um Torquemada e quejandos, tenho eu a certeza que sim. Mas em França e na Prússia por onde vagueou ao serviço de reis e príncipes (não seria também um factor de peso?) teve os seus problemas mas sempre soube superá – los a contento.
Talvez a reforma tivesse cavado nas mentalidades espaço para uma visão mais racionalista e fora, portanto, das guerras da Igreja Católica e dogmática, conservadora e retrógrada.
Voltaire vai, pois, mais longe e, para o provarmos, lembremo – nos do texto do “Candide” onde se fala do terramoto de 1755. Eivado de ironia cáustica conta ele que segundo a douta descoberta dos doutores da Universidade de Coimbra, o antídoto seguro para terramoto seria um auto de fé. O auto de fé fez – se; queimaram um desgraçado de um biscainho que cometera o crime de casar com a comadre (ironia!), dois portugueses que comeram gordura de frango (2ª. ironia!) e o nosso amigo Dr. Pangloss, professor do Cândido porque tivera o desaforo de falar em liberdade a um “familiar” da Inquisição (3ª. Ironia!).
Consumado o auto de fé vem então a ironia final e maior: nesse mesmo dia a terra treme com um estrondo medonho.
No entanto, para além de Voltaire ser um espírito de excepção, em Portugal, ortodoxamente a contra reforma que a Inquisição defendia com zelo de quem detém o poder e o defende com todas as forças, zelo que nos conferia a classificação de país mais atrasado da Europa ex – aequo com a Espanha.
É claro que os tratados com a Inglaterra, quer o de 1642, quer o de 1654 que ampliou aquele, pesavam decididamente para que a velha Albion nos ajudasse na luta contra os espanhóis em caso de agressão mas, decisivamente também, eram a causa fundamental da ruína da economia nacional. O comércio estava praticamente todo concentrado nas mãos dos ingleses com a sua “Feitoria Britânica,” uma espécie de Câmara de Comércio do tempo que defendia acirradamente os seus interesses. Éramos, de facto, uma colónia inglesa, com a agravante de estarmos nessa época sob o triplo signo do ouro, da preguiça e da contra – reforma, sendo o nosso atraso paralelo ao progresso de uma Europa que seguia em frente a avançar como um insaciável conquistador.
Se aparece um Pombal, que abriu os olhos nas sus deambulações por Londres e Berlim como embaixador de Portugal, a dizer basta (o jardineiro de Dumouriez), logo à morte do rei que convenceu das vantagens da industrialização e da diminuição da hegemonia inglesa (segundo ele estes tratados deviam vigorar em pé de igualdade), é exonerado e desterrado pela filha D. Maria I, a Piedosa, piedade que a levou a ouvir primeiro a voz da contra – reforma do que a do progresso.
A eternizar este paradoxo encontra – se uma magnífica azulejaria no “Metro do Marquês de Pombal,” em Lisboa, na parede oposta aquela onde se encontram as efígies de Carlos Mardel e Eugénio dos Santos, onde deparamos com a transcrição de uma redacção posta nas mãos de uma criancinha por alguém que, subtil e percucientemente critica: ”Quando D. José morreu em 1777, os sobreviventes saltaram dos cárceres e levantou – se um imenso clamor de protesto contra o tirano que em 27 anos de poder absoluto conseguiu recuperar mais de um século de atraso nacional e transformar uma monarquia semi – feudal governada pelos nobres num estado moderno, onde a alta burguesia era a classe dominante.
D. Maria, dando provas de muita sensatez, desterrou o marquês para a sua vila de Pombal”.
Em Lisboa já se registaram vários sismos ao longo dos tempos. A proximidade das regiões inquietas de afundamento em oval lusitano – hispano – marroquinas e da profunda fossa do Atlântico a sudoeste de Lisboa explica a grande percentagem de sismos registados no continente.
Lisboa, pela sua localização relativamente próxima dos epicentros tem sido muito atingida e o de 1755 teve origem num violento abalo de terra cujo epicentro tem sido localizado a sul do Algarve no afundamento em oval. O sismo foi um dos maiores registados em toda a Terra tendo – se registado como, aliás, já o mencionámos, três abalos violentos. O facto de o epicentro ser submarino provocou uma vaga sísmica que aumentou os efeitos desastrosos tendo sido observado nas regiões costeiras da Europa, nos lagos suíços, na Suécia e em partes mais afastadas. Deduzindo o sensacionalismo de muitos autores, procurou avaliar – se o número de mortos entre vinte e trinta mil embora Goethe tenha falado em sessenta milhares. Nas várias descrições do terramoto é sempre descrita a magnificência de Lisboa; só o teatro arrasado e que tinha sido acabado nesse mesmo ano, foi avaliado em dois milhões de cruzados. Quase todos os relatos mencionam que a maior parte dos moradores fugiu em camisa ou em pijama das suas casas vacilantes ou derribadas através de ruas oscilantes e que desperta sempre no leitor profunda piedade; as casas rachavam, desabavam e muitos moradores ficavam soterrados; depois é o flagelo do fogo que deflagra nos quatro cantos da cidade e, como se isso já não chegasse, há depois o flagelo dos ladrões e assassinos a aproveitarem – se da situação, de sem esquecermos também as marés vivas por causa do epicentro ser submarino e causadoras também de destruição e morte. São estes os traços fundamentais que aparecem na maioria das descrições. O resto é estilo mais ou menos empolado. Goethe, por exemplo, fez uma magnífica descrição do terramoto no estilo que lhe é peculiar mas também parece que não foi testemunha ocular.
É claro que, como era dia de Todos – os – Santos, as igrejas estavam repletas de fiéis ficando a maioria soterrada nos escombros. Nas ruínas das casas também morreram muitas pessoas, principalmente estrangeiros porque o dia 1 de Novembro nada significava para eles dado serem na maioria protestantes e, por isso, não tinham ainda saído de casa nem por causa da festividade católica, estando pelas nove horas e meia, altura do primeiro estremecimento, ainda na cama: 1050 casas foram derrubadas, 600 das quais fortemente desmanteladas.
Houve, de facto, terramotos com repercussões muito mais desastrosas que o de Lisboa. No entanto, foi o que mais reacções científicas e literárias originou.
A corrente literária foi tanto mais sensacional quando, ao que parece, o público estava ávido de leituras verdadeiras. Assim escreveu Deslandes: “É difícil determinar com precisão o gosto que hoje reina no mundo. Por mais bizarro que seja um autor tem de se conformar com os gostos do púbico. Estamos fartos de livros que só contém máximas destacadas ou reflexões morais. As obras de galantaria e em geral todas as histórias que têm teor de romance, já não têm saída; Começa – se a preferir a verdade à verosimilhança, mais lisonjeira e mais agradável”.
Vejamos também o que nos diz uma testemunha de uma carta de uma senhora a um tal Fréron: “Confesso Sr. que desde que se trabalha a reformar o gosto e que os autores se preocupam unicamente em agradar – nos, têm feito excelentes progressos nas ciências.”
Na literatura sobre o terramoto de 1755 patenteia – se portanto, ao mesmo tempo, a moda fundamental para o estudo da história natural que, através de um tal acontecimento, novos e fortes impulsos foi conseguindo.
A par da corrente literária desenvolve – se uma corrente científica tendo até sido instituídos prémios para as melhores teorias. Houve mesmo quem aprestasse uma receita para fazer terramotos…coma intenção evidente de os evitar, é claro.
Parece que a teoria mais credível era a de que existiam espaços (fendas, fracturas, talvez) onde o ar se encontrava sob uma grande tensão e que, devido à existência de substâncias incendiáveis, uma vez ultrapassada determinada tensão essas substâncias ardiam e a expansão provocava como que uma explosão provocando o terramoto.
Nós sabemos a diferença que existe entre meia dúzia de linhas num jornal dizendo: “Entre as nove e meia da manhã e as dez horas do dia 1º. De Novembro de 1755, a terra tremeu com a intensidade de 8, 5 graus Richter. Houve três abalos, sendo o 2º. mais forte do que os outros dois. O epicentro, colocado perto de Lisboa destruiu a capital de Portugal, Lisboa, tendo perecido cerca de 20 a 30 mil pessoas” e uma descrição literária em que se procura despertar um máximo de emoção no leitor. Como bem diz Tzevetan Todorov, a literatura faz – se com literatura. E a maioria dos relatos são isso mesmo: literatura. É evidente que é fácil de avaliar o medo provocado por um terramoto. Mas a romantização empolga e criam – se quadros tão comovedores como pictóricos com uma movimentação graciosamente estética, cheia de harmonia e proporções que, embora, no campo da verosimilhança não deixa de ser em grande parte ficção. O acontecimento transformou – se numa fonte de romantismo em que colaboram os melhores autores da época, como Goethe, por exemplo. O interesse foi levado ao auge e quando se trata de explorar a religiosidade do séc. XVIII entramos no campo da Teodiceia atingindo – se um pathos difícil de ultrapassar. Porque quando tocamos o âmago do indivíduo, tocamos, pois, a alma, isto é, o mais intrínseco e mais verdadeiro do ser e isso arrebata.
Duma maneira geral, os temas da corrente literária são os seguintes:
1 – Horríveis indícios a meçam.
2. O terramoto começa.
3. Por todo o lado quadros de destruição e morte.
4. Umas curtas tréguas.
5. A calamidade progride com redobrada fúria; as ruínas começam a arder; uma maré viva ameaça os últimos abrigos.
6. A morte é o horrível fantasma que paira por toda a parte. Medo do julgamento divino (post - mortem)
Estes são os fundamentos de todas as poesias mas, no interior destes quadros encontramos toda a gradação da força e engenho poético.
Em notícias ou curtas referências, no que concerne à corrente literária acerca do terramoto, tem explícita a mão de Deus salvador, juiz e carrasco ás ordens de si mesmo, segundo a mentalidade do tempo.
Note – se por exemplo, a notícia num jornal: “Entre as nove e as dez horas recebeu a natureza da omnipotência divina a ordem logo a seguir executada. O mar começou a rugir.”
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Cumprida a ordem, serenaram os elementos”.
Tudo se processa sob um planeamento de Deus como se ele fora um general à frente das tropas que são as forças da natureza e que, uma vez aniquilado o inimigo manda cessar fogo. Por alargamento de ideia podíamos considerar também os ladrões que se aproveitaram da situação e roubaram vivos, moribundos e mortos às ordens do mesmo general (Deus) afim de recolher os despojos.
Após o conhecimento da catástrofe, todas as revistas publicam igualmente notícias sobre ela, cartas que lhe são enviadas das mais variadíssimas origens, notícias sobre terramotos anteriores.
A imprensa persegue com insistência todos os aspectos novos no âmbito das pesquisas acerca das causas dos terramotos, publicam poesias, odes, epístolas acerca da destruição de Lisboa e incitam o zelo dos sábios das Ciência Naturais no concernente a esta matéria que detém a promessa de permanecer em moda durante algum tempo.
Existe também a preocupação de desenhar e pintar quadros representativos da cidade, porto e bacia do Tejo até Cascais com representações que franqueiam todo o horror do desastre do 1º. de Novembro de 1755.
Não é descabido citar aqui um fragmento de um texto de Schneider que, aliás, lemos na aula e nos dá, através de uma leitura romântica pejada de nostalgia das ruínas a ideia do terramoto, aliada à ideia de grandeza do passado desta cidade mártir “A maior profundidade das ruas são as ruínas. Sobranceira ao Rossio, a praça principal do trânsito, cuja aparente modernidade não deixa adivinhar a antiguidade e donde se vêem erguer romanticamente para o ar os pilares quebrados do Convento do Carmo, sombra da Idade Média desaparecida, romântico trabalho inacabado, como casa plantada em erma montanha.
Poucos pilares chegam ao arco. Os outros não são senão destroços. Não nos devemos esquecer que Lisboa foi palco de um dos mais violentos terramotos que todos lamentamos. O que a cidade tem é apenas uma pequena parte daquilo que perdeu. A partir dos fragmentos espalhados podemos avaliar a magnitude da beleza perdida.
Talvez estas ruínas desvendem um grande orgulho; é uma cidade cuja honra pode ser encontrada através das ruínas, cidade contra a qual se revoltaram o céu a terra e o mar, talvez por ser demasiado grandiosa: Não foi a história nem nenhum terráqueo, mas o destino que lhe arrebatou a realeza, não pesando menos o manto da desgraça que a coroa de oiro, derribada”.
Se Camões exalta Lisboa
...
“E tu, nobre Lisboa que no mundo
Facilmente das outras és princesa,
Que edificada foste do facundo
Por cujo engano foi Dardânea acesa.”
[Lusíadas, Canto III, estância 57],

o que não é de admirar visto que, sendo português, exalte, mas temos de concordar com ele porque mesmo Byron, que tanto mal diz, exalta a sua vista magnífica

Que bela vista a de Lisboa!
A sua imagem a flutuar na maré
Que em vão poetas areiam de ouro!

Mais ou menos também é frequente referirem – se ao magnífico porto privilegiado para o comércio e aos seus magníficos edifícios. Isto para uma cidade medieval pois sabe – se que Lisboa foi alterada com a reconstrução, à semelhança do que aconteceu em Londres após o grande incêndio que pôs fim à cidade medieval e deu origem à nova City.
Todos concordam com Camões em que é uma das mais importantes da Europa.
Segundo a lenda, Lisboa foi fundada por um dos netos de Noé e mais tarde reconstruída por Ulisses nas suas deambulações de Tróia par a Grécia após a aniquilação daquela.
As residências reais mais importantes eram os palácios de Belém, de Alcântara e, nos arredores, o de Queluz e, evidentemente, o do Terreiro do Paço, este apenas em parte danificado. Em frente do palácio de Belém existia uma praça de touros servindo esta, com mais dois fortes, para vigiar a entrada do porto.
Tal como Roma, Lisboa assenta sobre sete colinas constituindo, com os seus arredores, vistas encantadoras: “A vista panorâmica do castelo de Palmela torna – se num dos mais magníficos dioramas de Portugal. As montanhas e colinas da própria cidade oferecem pontos de vista apropriados para admirar a situação graciosa da cidade em todos os pormenores, sem esquecer as margens do Tejo. Enfim, forma um pleorama das obras da natureza e dos homens.”
Na corrente descritiva há quem faça o elogio do terramoto como o daquele autor que viveu muito tempo em Lisboa e afirma que, afinal, o terramoto foi politicamente a última tábua de salvação do país que, totalmente subordinado aos ingleses que o arruinavam, tinha agora oportunidade de se ver livre da influência da velha Albion e reconstruir não só Lisboa, mas também o país, da decrepitude em que mergulhara. Segundo ele, Portugal nada perdera politicamente com esse desastre; o derrube de algumas pedras amontoadas umas sobre as outras, o aniquilamento das mercadorias que pertenciam quase todas aos estrangeiros, o incêndio de móveis de alguns ociosos que não eram lavradores nem artistas, de sem importância, portanto. O fenómeno incidira só sobre os materiais que, bem longe de serem a grandeza do estado, eram antes fonte da sua ruína. E seguindo por aí fora com a aversão ao inglês e a “mezinha” para levantar a cabeça de sem auxílio dos ingleses, Portugal podia muito bem refazer – se do desastre com o ouro do Brasil, criando a sua própria indústria mas subtraindo – se à influência inglesa que o sufocava.
A perda em homens podia ser substituída pela entrada de estrangeiros em Portugal, atraídos pelo ouro do Brasil.
Depois, não Se faziam ausentar as ferroadas na Inquisição, considerada um mal maior do que o próprio terramoto. “A reorganização pode, no entanto, falhar porque em Portugal subsiste um mal maior do que o terramoto: A Inquisição. É ela que sufoca a indústria, que impede o progresso das ciências e obriga, portanto, a população a permanecer na ignorância”.
A nação vivia do ouro e das pedras preciosas do Brasil, bem como das especiarias da Índia e não do labor dos seus filhos. O trabalho rude e pesado era para os pretos e para os galegos. Os labores mais elevados que requeriam competência técnica exerciam – nos os franceses, holandeses, suíços, italianos e alemães que eram nossos arquitectos, gravadores, relojoeiros, joalheiros e impressores e que para aqui vieram atraídos pelas fabulosas histórias que corriam na época sobre a nossa riqueza.
No que respeita aos ingleses, devido aos seus grandes recursos e facilidades, principalmente pelo tratado de 1654, encarregavam – se do nosso comércio, especialmente de grande importação e exportação que estava completamente em suas mãos.
Diziam as más-línguas do tempo que o inglês falido em Londres vinha recuperar as suas perdas a Portugal; o irlandês miserável na sua terra, escapava à pena de morte em Londres para fazer fortuna em Lisboa.
O terramoto atraiu as atenções do mundo sobre Portugal. Lisboa era notícia. Houve reis na Europa que se vestiram de luto.
Não podemos terminar sem falar numa figura que se destaca na construção de Lisboa após o terramoto: Pombal.
Já na instrução primária fixei de ouvido a frase que me inculcaram: “No meio da confusão geral surge a figura do marquês de Pombal que se agiganta e mantém o sangue frio na situação catastrófica ”. Mas a frase é verdadeira. Foi ele que tomou providências. Primeiro enterrar os mortos e tratar dos vivos; manter a ordem: cerca de 800 malfeitores morrem na forca; manda reconstruir a cidade encarregando da direcção da mesma o competente arquitecto Eugénio dos Santos e segundo o modelo que vira em Londres que, depois do grande incêndio, foi transformada numa cidade moderna substituindo as ruas estreitas e tortuosas medievais por avenidas espaçosas, o que formou a city e a que corresponde a moderna baixa lisboeta que se encontra ainda como os arquitectos de Pombal a deixaram: ruas largas, edifícios altos e simétricos de modo a que, no dealbar do século XXI, podemos considerar moderna uma cidade do século XVIII.

Universidade Nova de Lisboa,
2000



BIBLIOGRAFIA

▪ W. BREIDERT – DIE ERSCHÜTTERUNG DER VOLLKOMMEN WELT
▪ R. SCHNEIDER – LISSABON, EIN FRAGMENT
▪ BYRON – CHILDE HAROLD PILGRINAGE
▪ B. BOHRES – DAS ERDBEBEN VON LISSABON IN DER FRANZÖZISCHEN
LITERATUR DES ACHTZEHNTEN JAHRHUNDERTS
▪ CARLOS ESTORNINHO – O TERRAMOTO DE 1755 E AS SUAS
REPERCUSSÕES LUSO – BRITÂNICAS
▪ VOLTAIRE – CANDIDE
▪ LUÍS DE CAMÕES – OS LUSÍADAS
▪ ENCICLOPÉDIA LUSO – BRASILEIRA DE CULTURA